O século presente, considerando mais especificamente o ocidente,
pode ser o momento histórico onde a velhice possui o menor status diante da
sociedade como um todo. Em uma época onde o patrimônio cultural da velhice, a
tradição, perde a cada geração a sua importância para a formação cultural. Com
a rejeição de dogmas da geração baby boomer e a mudança frenética do mundo da
geração x, o que aumenta ainda mais devido a tecnologia na geração y, o idoso,
a função do idoso como aquele que traz o conhecimento foi invertida, pois é
agora o jovem que detém o conhecimento (tecnológico) do momento, e se os mais
velhos, antes ensinavam aos mais jovens regras de comportamento, a linguagem, a
profissão, hoje, os filhos ensinam aos pais, a mexer em smartphones, as novas
expressões que surgem e somem com bastante velocidade. A rejeição da tradição,
e com ela, dos sentidos que ela traz, coloca o homem de hoje na condição de
viver o aqui e agora imediato, levando à experiência imediata dos sentidos. Obviamente,
deste ponto de vista, a vida da velhice será considerada uma forma de
decadência. Os atributos que favorecem o viver aqui e agora vão decaindo depois
da vida adulta. No entanto, tomando o exemplo do escritor Nelson Rodrigues, que
tinha uma visão declaradamente negativa da juventude, e quando perguntado sobre
qual conselho daria para os jovens, responde: envelheçam! Tinha uma visão de
desenvolvimento humano que não havia uma decadência da juventude para a
velhice, mas uma ascendência, e que o problema não era a velhice, mas a velhice
sem sabedoria, que pode ser resumida no trecho da tragédia shakesperiana: “pobre
Lear que ficou velho antes de ficar sábio”. Somando-se a isso, tomando com base
a logoterapia de Viktor Frankl, que é baseada na busca do sujeito pelo sentido
da sua vida e a vivência desse sentido, a vida seria um constante progresso, um
constante realizar-se progressivo. Esse sentido pode começar a ser buscado
desde o período de latência de Erikson, como no caso de grandes gênios como
Hugo ou Mozart que aos 5 anos já sabiam para onde seriam direcionadas suas
vidas, no caso, literatura e música. Porém, gênios são exceções, essa busca por
sentido pode vir como resposta para a crise de identidade da moratória
psicossocial. No estágio de maioridade jovem, este sentido pode estar ligado ao
sentimento de identidade, e para dar continuidade aos exemplos paradigmáticos
da literatura, temos o Dom Quixote, que após encontrar sentido para sua vida
como um cavaleiro errante, pode fazer a afirmação que decreta a consciência de
identidade: “yo sé quien soy”. Essa ultima frase, na verdade deveria estar no
estágio seguinte, o adulto, já que ela é dita pelo Dom Quixote “ na casa dos 50”,
E os objetivos do personagem são todos de cunho idealista, salvar donzelas,
defender os oprimidos, além de casar com sua amada Dulcinéia, construir uma
família, e como um cavaleiro, ser um exemplo para as gerações, ao se contar sua
história em livros. E no estágio de velhice, a integridade alcançada por Dom
Quixote pode ser resumida na afirmação de Jorge Luis Borges: “Apesar dos muitos
infortúnios de Dom Quixote, o sentimento final que o livros nos passa é o de
felicidade”.
Em relação às mulheres no ambiente prisional, mostrados no
vídeo da série: A Liga, muitas delas ao serem perguntadas o que fazia elas
aguentarem aquela situação altamente incômoda, algumas diziam que a Deus, e
outras aos filhos. Continuando a associação entre aula, literatura e a
logoterapia, é para mim, inevitável não lembrar imediatamente do romance Crime
e Castigo, onde um jovem estudante de 25 anos assassina uma velha agiota e sua
irmã, alegando que era injusto que alguém inteligente como ele fosse pobre e
uma velha usurária tivesse uma boa quantidade de dinheiro, atribuindo esses
motivos como justificativa para o crime, depois de cometê-lo, pela pressão
moral da sua consciência, tenta se entregar às autoridades, para livrar-se
dessa culpa do crime, e tenta encontrar esse alívio, tal como muitas das presas,
em Deus, no caso mais específico, e depois de preso, sua outra motivação é o
amor de Sonia, a personagem que o acompanha nessa caminhada moral. Um destaque
importante do romance, retomando aqui um ponto do início do texto, é o
personagem Svidrigailov, um senhor por volta dos 45, que é o estereótipo do
carpe diem, o sujeito que vive o aqui e agora, completamente dono de si, e
aparentemente sem freios morais, tal como Raskolnikov pretendia ser no início,
porém, essa atitude completamente livre de Svidrigaillov leva-o a fazer as
coisas mais absurdas, tal como estuprar crianças. Para presas na situação como
no vídeo, que matou uma família inteira, incluindo um bebê ainda na barriga da
mãe. A busca de sentido pode ser uma saída, para o sofrimento psicológico, seja
pela questão moral do crime, seja pelo desconforto da situação prisional.
Puxando um dos personagens de Crime e Castigo, para ligar
como tema das pessoas em situação de rua, em uma das passagens mais fortes do
romance, Marmieladov, um mendigo beberrão, que conversa com Raskólnikov, depois
de um diálogo bastante longo, faz a seguinte indagação: “Compreende, será que
compreende, meu caro senhor, o que significa não se ter mais para onde ir? Não!
Isso o senhor ainda não compreende...”, num sentido mais literal, não se ter
mais para onde ir é, para o sujeito, não ter moradia, num sentido mais amplo, é
não ter a companhia de ninguém, e num mais amplo ainda, é o puro niilismo. Três
aspectos que um psicólogo que requerem atenção de um psicólogo que atue com pessoas em situação de rua.
Pergunta: no paradigma do lifespam e seus mecanismo de
seleção, otimização e compensação, de Paul Baltes, a busca de sentido como um
direcionamento do desenvolvimento, seja na arte, no sofrimento ou no próximo
(as três formas de encontrar sentido segundo Frankl), seria uma forma de
retirar o estigma da velhice como uma decadência, e ela ser o coroamento da
felicidade, tal como em Dom Quixote?